O conceito de empoderamento das mulheres tem vindo a ser utilizado de forma leviana e superficial como mera expressão da liberdade individual. Isso tem conduzido a um entendimento do empoderamento como uma forma de superação individual de desafios e opressões sem que, na prática e a nível do coletivo, algo tenha, de facto, mudado.
Segundo a socióloga columbiana Madalena León, esta visão individualista do empoderamento tem como prioridade a independência e autonomia das mulheres e ignora as relações existentes entre as estruturas de poder e a vida quotidiana individual e coletiva dessas mesmas mulheres, alienando-as do seu contexto social, político, histórico e da importância da solidária preocupação com o outro.1
Empoderamento, no sentido politizado da palavra, é um instrumento de emancipação e erradicação das estruturas que oprimem o coletivo mulher. Ele visa, em primeira instância, uma mudança social resultante de um romper ativo e gradual, tanto individual quanto coletivo, com as estruturas de poder opressivo.1
É portanto um equívoco pensar-se que o empoderamento individual é suficiente. Ele é, logicamente necessário mas não é o bastante para que haja um empoderamento prático e real do coletivo. É igualmente um equívoco acreditar-se que atuando ao nível do autoconhecimento e autoestima das mulheres, o empoderamento e emancipação acontecem.
Aquando da utilização do conceito de empoderamento de forma despolitizada, constatam-se assim dois grandes equívocos:
1) O empoderamento e emancipação das mulheres enquanto processo individual. Isto é uma falácia já que, mesmo que uma mulher ou um conjunto de mulheres se sinta empoderado e emancipado, enquanto houver mulheres vítimas de sexismo, misoginia, feminicídio entre outros, o coletivo mulher continua sujeito a relações de poder opressivo. Como tal, não podemos dar por conquistado o empoderamento e emancipação das mulheres. Estes são processos coletivos e não individuais.
2) Empoderamento e emancipação das mulheres acontecem com autoconhecimento, desenvolvimento pessoal e espiritual. Não. O autoconhecimento, desenvolvimento pessoal e espiritual constituem uma das dimensões do empoderamento – a dimensão psicológica – mas não constituem a totalidade do processo de empoderamento. Existem outras dimensões que precisam ser trabalhadas com vista à conquista desse empoderamento e emancipação, como é o caso das dimensões política e financeira.
É importante erradicarmos estes equívocos já que eles têm consequências graves para o coletivo. Eles mantêm as mulheres numa bolha individualista e alienada, desconectadas das suas realidades social, política, económica, histórica, cultural, perpetuando assim a ilusão de que o empoderamento e emancipação foram conquistados (quando, na prática, no coletivo, nada mudou). Ao confundirem empoderamento com desenvolver-se pessoalmente e espiritualmente, ignoram a importância das restantes dimensões do empoderamento (como a política e a financeira), propulsoras da mobilização das mulheres em prol do coletivo.
As quatro dimensões do empoderamento
Empoderar significa conduzir indivíduos e grupos por diversos estágios de autoconhecimento, autoafirmação e autovalorização. E significa ainda conduzi-los no conhecimento da sua própria história, num entendimento da sua posição social e política e no desenvolvimento de uma visão crítica do mundo. A partir daí, o indivíduo/ grupo pode atuar no meio onde vive e em prol do coletivo.1
Assim, e segundo a professora feminista Nelly Stromquist, para que o empoderamento das mulheres aconteça, precisamos trabalhar as seguintes quatro dimensões:
- Psicológica: autoconhecimento, autoestima, autoconfiança, maturidade emocional, etc.
- Cognitiva: desenvolvimento de uma postura reflexiva e crítica da realidade que nos rodeia;
- Política: desenvolvimento da consciência das desigualdades de poder, literacia política e capacidade de se mobilizar;
- Económica: literacia financeira e capacidade de gerar renda independente.1
Conclusão:
Se utilizamos a palavra “empoderamento”, temos a responsabilidade de a utilizar de forma instruída e politizada. Para mais, se os nossos trabalhos passam por apoiar pessoas, mulheres e/ou homens, nesses processos de empoderamento, somamos ainda a responsabilidade de ter em conta as quatro dimensões do empoderamento nesse nosso trabalho. Se é para empoderar, que seja a sério!
Notas:
- Se usas a palavra “empoderamento” e/ou se trabalhas com empoderamento, consideramos a leitura do livro “Empoderamento” de Joice Berth obrigatória.
- Ouve o 1º episódio da 4ª temporada do MUSAS Podcast, “Se é para empoderar, que seja a sério!”
Referências bibliográficas:
1 – Berth, J. (2019). Empoderamento. 1ª edição. Pólen livros. São Paulo.